Dentre as mudanças de processos que a pandemia de Covid-19 causou no mercado de trabalho, a atividade remota é destaque. Por conta da necessidade de isolamento social, corporações de diferentes setores se viram obrigadas a repensar seus modelos de negócios, adotando o home office como alternativa de operação de equipes inteiras. De acordo com dados da Fundação Getulio Vargas (FGV), em maio de 2020 a maioria (80,4%) das indústrias e mais da metade (68,6%) das empresas de serviços estava operando em trabalho remoto parcial ou total. Nesse contexto, o modelo que "leva o escritório" para a casa do colaborador se tornou prática comum, e acelerou uma escolha que já se apontava como tendência nas relações de trabalho.
Mesmo com desafios - como a motivação dos colaboradores, e as mudanças dos canais de relacionamento com clientes e de vendas-, o regime à distância deve vingar em 30% das empresas brasileiras pós-pandemia. Pelo menos é o que sinaliza o recente estudo da FGV, onde também é apontado que 44% dos colaboradores aprovam o modelo, com ressalvas. A tendência é resultado de boas experiências, a exemplo das vivenciadas pelos profissionais da plataforma de mídia programática Alrigth, que fechou o escritório em Porto Alegre e deve manter o formato remoto mesmo quando o surto de coronavírus terminar. "Não se perdeu nada em produtividade, pelo contrário: se teve resultados melhores", avalia a coordenadora de Negócios da empresa, Márcia Chagas. "Como temos o digital na essência, já estávamos mais preparados", pondera.
Há quatro meses, a rotina de Márcia mudou. Acostumada a ir diariamente para o antigo escritório da Alrigth, ela também visitava clientes e viajava a negócios uma vez por mês. "O que acreditei que seria um problema acabou não sendo, uma vez que o mundo inteiro teve que se adaptar a esta situação e os clientes se tornaram mais dispostos a realizar reuniões por vídeo chamadas", comenta.
Um dos formatos possíveis de teletrabalho, o home office é um modelo onde os colaboradores trabalham de casa. Para o empregador, essa prática reduz os custos operacionais, visto que não há necessidade de manter a infraestrutura física para a atuação dos times. Já para o profissional, há aumento da flexibilidade, além de eliminar horas perdidas no deslocamento.
"A gente já trabalhava em cima de aplicativos como o Google para documentos compartilhados, além de um específico de comunicação interna, mais os grupos de whatsapp", comenta o CEO da Alright, Domingos Secco Jr. "Isso tudo nos ajudou a fazer a migração para um trabalho remoto." Antes da pandemia, a plataforma funcionava em coworking junto com outras quatro empresas. "Sempre foi um ambiente coletivo, baseado em algum lugar físico", afirma Secco. Ele comenta que, coincidentemente, no início do ano passou a se questionar sobre ter ou não um escritório, visto que já havia pessoas da equipe trabalhando em home office. Com a pandemia, no dia 16 de março todos pegaram seus computadores e foram para casa. Os equipamentos são todos da Alright, que além de liberar notebooks também alugou um carreto e distribuiu cadeiras com ergometria adequada nas residências de todos os colaboradores.
Home office pode ser feito sem alteração contratual
Apesar de ter características semelhantes ao teletrabalho - previsto na nova legislação trabalhista - , o modelo home office pode ser adotado sem alteração contratual. "O home office é como se fosse uma extensão do escritório para dentro de casa, as regras que valem no escritório servem para a residência do colaborador também", destaca o advogado Mateus Mantonavi, especialista em direito empresarial e tributário. Ele observa que, ao optar por home office, a empresa deve se responsabilizar pelos equipamentos de trabalho, a exemplo de computadores e cadeiras adequadas, e, dependendo do caso, arcar com as despesas de luz e telefone dos funcionários, quando comprovado os gastos.
"Para o home office valem as regras de relação de emprego previstas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)", resume Mantovani, lembrando que ao enviar o funcionário para casa, a empresa deve continuar pagando benefícios acordados anteriormente, como vale alimentação. Outra diferença é que no sistema home office é possível trabalhar com rodízio das equipes no escritório. "O colaborador pode exercer atividade remota por três dias da semana, e ir até o espaço da empresa outros dois dias", exemplifica o especialista. "Se fizer hora extra, precisa registrar e receber", detalha. Já no que se refere às obrigações do empregado, o mesmo procede, sendo obrigatório trabalhar o número de horas previstos no contrato.
Mais flexível em termos de controle de horário, o modelo de teletrabalho previsto no art. 75-C, da CLT, dependerá de mútuo acordo entre as partes, registrado em aditivo contratual. "No teletrabalho será feito um acordo e as partes vão definir em conjunto quem é que adquire os equipamentos", exemplifica Mantonvani. A Lei 13.467/2017 inseriu a modalidade na CLT, conceituando o termo como "a prestação de serviços que ocorre preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo, e que não será descaracterizado pelo comparecimento do empregado às dependências do empregador para a realização de atividades específicas, que exijam a sua presença."
Mantovani destaca que neste caso, o que vale são as regras do contrato, que é obrigatório. "No teletrabalho só recebe vale alimentação, vale transporte e outros benefícios se estiver previsto no contrato, mesmo que já recebesse trabalhando presencialmente", detalha o especialista. "Importante reforçar que se não houver contrato para o teletrabalho, esta será considerada uma relação invalidada." Apesar de eventualmente poder aparecer na empresa, o colaborador deve trabalhar, via de regra, em casa. Neste sistema, existem alguns fatores que podem ser considerados uma desvantagem para o colaborador contratado, opina o advogado. "Não tem mínimo nem máximo de horas trabalhadas, depende do quer determinado no contrato. Por isso, se for possível controlar o horário, é melhor definir em contrato quantas horas por dia ou semana serão trabalhados, caso contrário o colaborador não tem direito a receber por hora extra."
Dentre as poucas obrigações da empresa previstas em lei, Mantovani destaca a obrigatoriedade de 15 dias de adaptação, caso o colaborador seja convocado a voltar a trabalhar no ambiente do contratante. "Nesse caso, flexibilizar o horário, até que seja possível voltar à rotina."
Teletrabalho beneficia mais empregador do que o empregado, avalia especialista
Ainda que o teletrabalho possa parecer tentador e dar uma sensação de liberdade para o empregado, é o empregador quem mais se beneficia deste modelo, afirma o advogado especialista em direito empresarial Mateus Mantovani. "É preciso atentar para que não transforme o trabalhador em um escravo dentro de casa", alerta. Segundo avaliação do jurista, "se há alguém que sai prejudicado desta relação de trabalho é o colaborador."
Ao contrário do home office, o teletrabalho não só dispensa controle de jornadas, como não responsabiliza a empresa caso o colaborador adoeça (da coluna) por trabalhar 10 a 15 horas seguidas em uma cadeira inadequada, por exemplo. Isso porque pela nova legislação basta que o empregador comunique sobre os riscos de saúde e segurança, dando orientações de como proceder (alongar, por exemplo) quando for o caso de passar muitas horas na frente do computador. "Sem horário controlado, a pessoa terá que dar conta da demanda da empresa, mesmo que isso implique em ficar sem almoçar ou comer algo só no meio da tarde", aponta o advogado.
"Imagino que o teletrabalho gere um impacto financeiro positivo para a empresa, que não tem gasto com equipamentos, consegue reduzir o tamanho do escritório diminuindo custos de aluguel e energia, ao passo que para o trabalhador pode haver risco à saúde, como depressão, cansaço, dor de coluna, obesidade, entre outras doenças", avalia o advogado. Ele alerta para não confundir teletrabalho com home office, que garante todos os direitos do trabalhador previstos na CLT. "Seja como for, ambos os regimes reduzem as relações interpessoais. Para isso, seria interessante criar mecanismos para manter o contato entre a equipe." Este procedimento foi adotado pela plataforma Alright, logo que mandou os colaboradores para trabalhar em casa.
"Um dos pontos que reorganizamos foi o horário, com início e fim determinados, mas com flexibilidade no almoço, visto que muita gente começou a fazer comida em casa, e alguns ainda têm filhos", conta o CEO da empresa, Domingos Secco Jr. "Como atualmente ficar em casa não é questão de ser uma opção, temos um olhar muito especial em relação a saúde mental das pessoas", comenta o gestor, que contratou uma psicóloga para acompanhar a rotina dos colaboradores e incentiva as interações em chamadas de vídeo.
Fonte: Jornal do Comércio 09/08/20