Bolsonaro vetou a prorrogação da desoneração da folha de pagamento. A medida foi adotada no fim de 2011, pelo então governo Dilma, para alguns setores intensivos em mão de obra.
A lógica da desoneração foi substituir a contribuição sobre a folha por uma contribuição sobre o faturamento, de modo a reduzir o custo relativo do trabalho.
Houve desoneração porque, inicialmente, a alíquota sobre o faturamento não compensou a redução da contribuição sobre a folha, mas a ideia era eliminar isso gradualmente, à medida que os setores beneficiados prosperassem.
A primeira fase da desoneração foi bem-sucedida, aumentando a competitividade dos setores beneficiados e estimulando a formalização do emprego de altos salários, sobretudo no setor de informática.
Os problemas começaram a aparecer a partir da desaceleração da economia, em 2012. O então governo Dilma resolveu voltar às políticas anticrise que haviam dado certo em 2009-10, mas em condições iniciais e contexto bem diferentes.
Houve várias medidas de estímulo fiscal, e a desoneração da folha entrou no balaio, sendo ampliada para vários setores, incluindo transporte urbano, para tentar evitar reajuste de tarifas, e imprensa, dada a influência do setor sobre o Congresso.
Pensada inicialmente como "desvalorização fiscal" temporária para aumentar a competitividade externa e a formalização do mercado de trabalho, a desoneração da folha virou a "porta da esperança" para vários lobbies do setor industrial e de serviços obterem ganhos permanentes.
O custo do programa subiu rapidamente e, ao fim de 2014, já estava claro que seria necessário revisar o que foi feito. A revisão começou em 2015, com propostas para aumentar a alíquota sobre o faturamento, de modo a reduzir a desoneração, mas sem eliminar seu efeito redutor sobre o custo relativo do trabalho.
Porém, no contexto políticos de 2015 em diante, a discussão não prosperou e tivemos apenas ajustes marginais no programa, com prorrogações sucessivas.
A tributação sobe folha de pagamento é um dos grandes problemas tributários do Brasil. Nós simplesmente cobramos muito encargos sobre salários, elevando o custo para as empresas sem que isso se traduza em renda disponível imediata ao trabalhador.
Além da contribuição ao INSS, há FGTS, Sistema S, salário-educação e outros penduricalhos que, apesar de suas nobres intenções, acabam elevando o custo do trabalho formal. O resultado é alta informalidade em empregos de baixos salários e contração de profissionais de remuneração elevada como pessoas jurídicas (a "pejotização").
O modelo não funciona, e a iminência do fim da atual desoneração da folha poderia ser oportunidade para discutir o tema de modo racional. Como? Faço sugestão: a reforma tributária deve rever todos os encargos sobre a folha, adotando contribuições sobre o valor adicionado para reduzir o custo relativo do trabalho.
No caso do INSS, o ideal é que empresas contribuam sobre a folha com 20% sobre o salário até o teto do INSS. O restante pode ser arrecadado via contribuição linear sobre o valor adicionado de toda a economia (não, não precisamos de nova CPMF para desonerar a folha), mas sem onerar exportações.
O mundo do trabalho mudou e continua mudando. O financiamento da Previdência Social precisa ter base mais ampla do que a folha de pagamento, e, no caso do Brasil, também é urgente reduzir o elevado custo relativo do trabalho formal para avançar na inclusão social via emprego e melhorar a competitividade externa da economia.
Fonte: Jornal do Comércio 12/07/2020