Quando se fala em tributos no País, surgem muitas opiniões divergentes. Mas, se há unanimidade, é quanto à complexidade do sistema brasileiro e ao desequilíbrio existente na hora de saldar a conta, já que os mais pobres pagam proporcionalmente mais impostos que os ricos. Talvez por isso o debate em torno do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) sempre volte à tona nos momentos em que a crise fiscal se acentua por aqui - como acontece agora.
A pandemia do novo coronavírus vem fazendo com que a população passe a limpo não só suas escolhas pessoais, mas também decisões políticas. As mudanças causadas pelo novo coronavírus acentuam ainda mais a desigualdade de renda e de acesso à saúde, à internet e à informação, por exemplo.
O cenário forçou, também, a retomada da discussão sobre quem deve acertar a conta da crise. Mais uma vez, o IGF surge como alternativa para ampliar a arrecadação sem penalizar as classes menos abastadas. De acordo com levantamento do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), atualmente, a fatia da população de menor renda destina cerca de 26,7% do que ganha a impostos sobre o consumo. Enquanto isso, os mais ricos arcam somente com menos da metade disso: 10,1%.
Mesmo com as propostas de reforma tributária em tramitação no Congresso Nacional, essa diferença diminui muito pouco. Na análise "Reforma Tributária e Federalismo Fiscal", publicada em janeiro deste ano, os pesquisadores do instituto Rodrigo Orair e Sérgio Gobetti apontam que 24,3% dos impostos continuam recaindo sobre os mais pobres, contra 11,2% sobre os mais ricos.
Estudo elaborado por entidades de auditores fiscais projeta uma receita de R$ 40 bilhões anuais com o IGF, sobre uma base de arrecadação que consistiria em patrimônios pessoais acima de R$ 20 milhões, com alíquotas de 1%, 2% e 3%. De acordo com a proposta, esse valor corresponde a 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em 2019.
Por outro lado, o diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal, Josué Pellegrini, afirma que o Imposto sobre Grandes Fortunas é socialmente justo, mas tem um potencial arrecadatório baixo. "O IGF pode propiciar alguma receita extra, mas não representa uma 'saída'. Essa expressão dá uma ideia de grande solução para o problema da falta de recursos para o Estado, o que não é o caso", afirma.
Outro argumento apresentado por Pellegrini quanto à ineficácia da medida é que um novo imposto gera reações dos contribuintes, que mudam seus hábitos e práticas para escapar da cobrança. "Com o passar do tempo, isso geraria perda de eficácia do imposto", acredita.
Mesmo assim, o dirigente concorda que o Imposto sobre Grandes Fortunas pode se justificar por aumentar a isonomia do sistema tributário. "Nesse aspecto, a crise provocada pelo novo coronavírus pode lhe oferecer uma perspectiva mais favorável do que a existente nos últimos anos, diz o diretor do IFI, ao destacar que a gravidade da situação tornou evidente o drama da desigualdade no Brasil.
Como a solução para o problema requer recursos que não estão disponíveis, Pellegrini entende que as fontes potenciais de receita ganharão destaque - em particular, o IGF. "Ao incidir sobre os mais ricos, traz um senso de justiça e de combate às desigualdades", pondera. Contudo, ele salienta que, quando muito, o IGF deverá ser um complemento à receita necessária para implementar programas assistenciais.
Fonte: Jornal do Comércio 17/06/2020